Preparamos para você mais uma entrevista, dessa vez com Petra, Gerente de Projetos do Kino Brasil. No que consiste seu trabalho, como gere o seu papel no festival sendo mãe de três filhos e quais são os desafios de trabalhar no festival? Ela respondeu isso e muito mais.
[Barbora] Você é Gerente de Projetos do Kino Brasil. O que envolve o trabalho de gerente de projeto, o que você gosta na função e o que você realmente não precisa?
[Petra] Como gerente de projetos do festival Kino Brasil, vejo meu papel como fazer de tudo para garantir que o festival aconteça - e não apenas que seja dentro do prazo, mas também que seja da qualidade que estabelecemos à nós mesmos, ou seja, da melhor maneira possível. O objetivo principal é simples: tornar isso divertido tanto para nós, organizadores, quanto para nossos espectadores. É por isso que me certifico de termos uma equipe grande o suficiente, que todos sabem o que fazer e que todos cumprimos nossos prazos. E o mais importante, como todos fazemos isso de forma voluntária, procuro manter um clima agradável na equipe e criar um ambiente motivador.
[Barbora] Como funciona na prática?
[Petra] Começamos cada ano nos reunindo em equipe e discutindo o ano anterior. Do que gostamos? O que funcionou? O que gostaríamos de repetir? E o que não queremos vivenciar novamente? Depois dividimos as tarefas com base no que todos gostam e no que cada um de nós tem vontade de fazer no ano - pode ser diferente a cada ano, o que é ótimo! Com base nisso, criamos um plano e sou responsável por garantir que o cumpramos. Organizo reuniões online regulares, delego tarefas, às vezes incentivo um pouco a equipe para manter as coisas em movimento e, quando necessário, intervenho e ajudo onde as coisas estão pegando fogo. E o que eu mais gosto nisso? Definitivamente trabalhando com outras pessoas. Estou constantemente aprendendo coisas novas com cada membro da equipe e considero isso uma grande honra, que me faz avançar não só profissionalmente, mas também pessoalmente. O que às vezes me dá nos nervos? Quando, apesar de todos os nossos esforços, nos deparamos com um obstáculo e não temos tempo para comunicar adequadamente sobre o festival ao público. Essa é a parte que poderia melhorar - mas pelo menos ainda é algo para se trabalhar!
[Barbora] Um bom gerente de projetos precisa ter algum pré-requisito ou qualidade?
[Petra] Às vezes sinto que ser gerente de projeto de um festival de cinema onde toda a equipe é formada por voluntários é como tentar reger uma orquestra onde ninguém tem partitura e cada um trouxe seu instrumento. Parece um desafio. Mas com as pessoas certas, pode dar numa sinfonia!
E quais pré-requisitos ou qualidades considero importantes para isso?
1. Organização em primeiro lugar Um festival de cinema é um grande evento cheio de partes em movimento – desde a obtenção de filmes e performances de artistas, passando pela logística até a organização de parceiros. Portanto, estar organizado é absolutamente essencial. Sem isso, o festival iria desmoronar antes mesmo de começar. Isso não quer dizer que posso lidar com a organização com tanta facilidade. Às vezes eu me daria nota 3 de 5, mas tento sempre o melhor.
2. Coach motivacional em ação Todo mundo que trabalha no festival não está neste time por dinheiro. Eles estão aqui porque amam o Brasil, os filmes, o clima do festival, e ouso dizer que amam a própria equipe em que trabalhamos. Como gerente de projeto, sinto que é meu trabalho mantê-los entusiasmados. Tento inspirá-los, orientá-los e, o mais importante, apoiá-los quando as coisas começam a desmoronar.
3. Domínio na improvisação As coisas vão dar errado – essa é a regra não escrita de todo evento. Por isso é importante não desmoronar e sair do outro lado com sua flexibilidade e capacidade de improvisação! Quando um de nós ou o elenco adoece ou talvez o filme não chegue à tempo, ser capaz de encontrar uma solução de forma rápida e criativa poderia salvá-nos. Nisso devo dizer que é muito bom trabalhar com a comunidade brasileira. Tenho a impressão de que este é um superpoder de Brasileiros em geral.
4. Delegue ou você vai se afogar Uma pessoa não pode fazer tudo sozinha - e tá tudo bem. O segredo é ser capaz de dividir o trabalho em equipe. Cada um de nós tem um talento e, se você usá-lo corretamente, o festival funcionará como um relógio. Pessoalmente, não sofro com a sensação de que poderia fazer tudo da melhor maneira. Então não tenho medo de delegar.
5. Rainha da Comunicação Converse, negocie, e às vezes até faça um pouco de mágica com as palavras. Você precisa convencer patrocinadores, parceiros, e garantir que todos saibam o que fazer. As habilidades de comunicação são o alfa e o ômega de tudo. Provavelmente não sou a rainha da comunicação, mas pelo menos sei que a comunicação é a chave para o sucesso.
6. Gestão eficaz de recursos Dinheiro não é tudo, mas não dá para organizar um festival sem isso. E quando você tem uma quantidade limitada de dinheiro, você precisa ser uma verdadeira mégica no gerenciamento da verba. Cada coroa, cada voluntário e cada minuto contam.
7. Paixão por uma causa E finalmente, você tem que amar o Brasil e os filmes. Por que mais faria isso? Esse entusiasmo também é transferido para a equipe e para todo o evento. E acredite, se a festa não for feita com amor, todos saberão.
[Barbora] Você também faz administração, é domadora de animais silvestres da nossa equipe e psicóloga... quando a coisa fica difícil você consegue acalmar qualquer situação. Essa é a sua natureza ou você teve que aprender isso para fazer a equipe funcionar como deveria?
[Petra] Você me fez rir com esse "Domadora de Animais Silvestres"! Então... me sinto mais em casa a cada dia... Bem, sim, provavelmente é verdade que quando as coisas ficam difíceis, eu não recaio imediatamente - a menos que seja realmente necessário. Acho que é da minha natureza. Procuro sempre manter a calma e manter a equipe unida, porque quando estamos todos na mesma página tudo fica melhor. Meu objetivo é liderar a equipe da melhor forma possível e garantindo que todos se sintam confortáveis em suas funções. Quero que ninguém tenha medo de entrar em uma discussão, que tenhamos a chance de aprender algo novo e também que sejamos capazes de avaliar objetivamente quando um de nós é suficiente para algo por conta própria e quando precisamos de ajuda. Só assim teremos chance de crescer e seguir em frente - e ao mesmo tempo de nos mantermos fiéis ao projeto, porque quando todos se sentem bem, há maiores chances de sermos felizes e permanecer aqui por muito tempo. E se eu tive de aprender isso? Em vez disso, meio que saiu da prática.
[Barbora] Você estava no início do festival. Nos últimos anos, você se tornou mãe de três filhos. Você está trabalhando e está fazendo um festival ao mesmo tempo. Como consegue?
[Petra] Considero todos que trabalham comigo no festival meus bons amigos e o festival minha paixão. Quando você aborda dessa forma, é muito mais agradável encontrar tempo para trabalhar no festival no tempo livre limitado que você tem. Trabalho no festival há 11 anos, ou seja, desde o seu nascimento. Sempre com o mesmo fervor, mas nem sempre com a mesma intensidade. No primeiro ano nem pude comparecer por causa de um trabalho em Angola. Apesar de ter participado do festival nos outros anos, eu mesma planejei à partir de Londres, onde trabalhei por 2 anos. Moro na República Tcheca há 5 anos e administro o festival na maior parte do tempo com de uma a três crianças no colo. Isso pode ser gerenciado principalmente graças ao apoio de Vráti, meu marido, e graças ao fato de saber que posso contar com a equipe para tudo, podendo delegar e assim focar realmente na minha função.
[Barbora] Dá para perceber que o festival é muito próximo do seu coração. Você não dedica seu precioso tempo apenas ao festival. O que você gosta no Kino Brasil mesmo depois de tantos anos? Por que você faz o festival?
[Petra] Provavelmente não será uma surpresa se eu repetir aqui que gosto do festival principalmente porque trabalho nele com pessoas tão legais como Zuzka, Gabi, Bára, Romča, Irča, Tomáš e recentemente Adilson e Carol, que se juntaram à nós nesse ano. Também gosto de trabalhar no festival porque estou constantemente aprendendo algo novo (ou até antigo). Só nesse ano aprendi como é possível tirar benefícios do fato de organizarmos o festival como uma organização sem fins lucrativos. Graças a isso, podemos aproveitar todas as vantagens de ferramentas online como Slack, Google for Nonprofit, Canva, etc. Também fiquei muito enriquecida trabalhando com as Holkami z Marketingu (Garotas do Marketing), que nos ajudaram este ano ao nos incluir entre seus clientes da academia. E com Adilson e Carol se juntando a nós este ano, isso me forçou a aprimorar meu Português. E por último mas não menos importante, ainda estou aprendendo a liderar uma equipe internacional que trabalha quase 100% remotamente, algo que também se adapta ao meu trabalho. E, claro, gosto do festival em si, que é o culminar do nosso trabalho de um ano todo. É ótimo ver o público chegando ao cinema e depois seus rostos satisfeitos ao sair. E é muito bom conhecer toda a comunidade em torno do festival – brasileiros que moram na República Tcheca, cinéfilos, e nossos amigos.
[Barbora] Fazer festival é um risco. Embora temos aprendido à arrecadar mais recursos a cada ano, há situações em que não sabemos até o último momento se vamos acabar no vermelho. Às vezes você até pagava mais por conta própria. Não é frustrante, tanto trabalho e você ainda estar pagando por isso?
[Petra] Bem, essa é a parte mais triste dos preparativos do festival. Admito que isso é um pouco frustrante. Afinal, o festival custa alguma coisa e infelizmente custa mais dinheiro a cada ano. Os direitos cinematográficos, o aluguel do cinema e a promoção têm de ser pagos todos os anos. Além disso, gostaríamos muito de recompensar adequadamente nossos colaboradores - legendadores, tradutores, os artistas que participam de eventos de acompanhamento. Sei que muitos deles estão felizes em trabalhar para o festival, mas é preciso lembrar que são profissionais que vivem da tradução ou da dança e da música, então acho que não é justo pedir-lhes serviços em troca de um belo sorriso e fama eterna.
Além disso, é uma espécie de loteria todos os anos. A receita dos ingressos representa grande parte do nosso orçamento e, infelizmente, muitas vezes não sabemos até o último minuto quantos espectadores irão ao cinema. Deste ponto de vista, seria melhor para nós que as pessoas comprassem os bilhetes com muito mais antecedência. Dessa forma, teríamos pelo menos uma idéia de como está o comparecimento e se ainda há necessidade de responder com flexibilidade à situação das últimas semanas e dias antes do festival. Então se eu pudesse pedir alguma coisa aos nossos apoiadores, não tenham medo de comprar seus ingressos com antecedência! Além disso, este ano decidimos vender ingressos antecipados com desconto! Então eu acho que é uma situação em que todos ganham ;)
[Barbora] Muitos telespectadores pensam que alugamos o Bio Oko durante os quatro dias inteiros do festival e que não sabemos como utilizar o espaço de forma adequada. Então, como é na realidade?
[Petra] Isso é realmente interessante. Nunca me ocorreu que as pessoas pudessem realmente pensar isso. Bem, é assim que acontece quando uma pessoa percebe algo como algo natural e depois descobre que isso não é bem assim para os outros. Então, para esclarecer as coisas: não alugamos o cinema durante os 4 dias completos do festival. Apenas alugamos a sala de cinema durante alguns horários. É porque não valeria a pena para nós. O custo de cada exibição de filme consiste no preço dos direitos do filme e no aluguel da sala. E sempre temos que pesar bem em quais horários podemos lançar quais filmes, para que pelo menos no final o resultado valha a pena.
[Barbora] Este ano o festival vai durar 3 semanas, temos mais eventos de acompanhamento do que filmes. Ainda é um festival de cinema ou estamos virando um festival de cultura brasileira?
[Petra] Essa é uma ótima pergunta! E a resposta é: sim e não. O Kino Brasil ainda é principalmente um festival de cinema, isso não mudou. O cinema é e será parte importante da nossa programação, do nosso DNA, porque é através do cinema que o Brasil se apresenta com toda a sua beleza e profundidade. Mas ao mesmo tempo queremos que o festival seja para nos encontrar com pessoas novas. Para que possam não só sentar-se no cinema, mas também conversar, partilhar experiências e quem sabe até descobrir algo novo. E é por isso que tentamos levar outros eventos para as pessoas. Queremos que os visitantes possam saborear o Brasil com todos os sentidos. Temos degustações de comida brasileira, degustações de café, oficinas de dança e música - porque isso também faz parte do Brasil e queremos aproximá-lo o máximo possível de todos. Além disso, estamos sinceramente satisfeitos em cooperar com o cenário cultural de Praga e com a comunidade brasileira local. O nosso programa de acompanhamento baseia-se nesta cooperação e enriquece enormemente o nosso festival.
[Barbora] Qual filme e evento que o acompanha você está mais ansiosa para este ano? O que você recomendaria ao público?
[Petra] Ei, se eu pudesse, iria a todos os filmes e todos os eventos que os acompanham, mas infelizmente não posso fazer isso em casa. Então tentarei negociar um passe livre para alguns filmes, pelo menos um show, um workshop, uma palestra e a festa de encerramento.
Entre meus filmes favoritos estão:
Retrato de Um Certo Oriente de Marcelo Gomes, cujos filmes são nossos frequentadores garantidos no festival. Esse é um filme que mostra a grande diversidade cultural do Brasil e ao mesmo tempo discute com sensibilidade a complexidade das relações interpessoais, ainda mais complicadas quando se trata do amor entre pessoas de diferentes grupos religiosos. Até exibiremos esse filme duas vezes este ano. Pode ser visto durante a abertura oficial do festival de cinema, na quinta-feira, 31/10, no Bio Oko, ou no sábado, 02/11, ainda com posterior debate sobre o cinema brasileiro.
Pureza, filme baseado em um acontecimento real que mostra a história de uma mãe que sai em busca do filho perdido. Tema forte para mim! Você pode esperar por este filme na sexta-feira, 01/11.
Betânia é o meu favorito de domingo (03/11). Neste filme, aguardo ansiosamente por imagens da região do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, onde há lindas dunas, corpos d'água e manguezais, e filmagens do chamado Bumba Meu Boi, folclore brasileiro que combina elementos de dança, música, teatro e cerimônias religiosas. Além disso, como o filme aborda o tema da seca, faremos um debate sobre esse mesmo tema após o filme.
Quanto aos eventos acompanhantes, estou ansiosa por:
concerto do Vinícius Cantuária (26.10, no Palác Akropolis),
Workshop de batucada (27.10, no Music Club Jižák),
Lição de Samba (25.10, no Fitness Club Energym Holešovice),
Conversa com a Veronika Lálova (22.10, no Bio Oko),
E o filme com uma discussão subsequente com Mnislav Zelený–Atapana (26.10, no Bio Oko).
Então espero ver você lá ;)
Confira a programação do festival aqui.
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